Fidelidade ou Calamidade? O Julgamento de Deus Pela Palavra Quebrada
“E houve nos dias de Davi uma fome de três anos consecutivos; e Davi consultou ao SENHOR, e o SENHOR lhe disse: É por causa de Saul e da sua casa sanguinária, porque matou os gibeonitas.” (2 Samuel 21:1)
O texto base para essa mensagem é 2 Samuel 21:1-9. Este texto nos lança em um cenário de grande aflição em Israel: uma fome que durava três anos! Davi, o rei, busca ao Senhor para entender a causa de tanta calamidade.
E a resposta de Deus é surpreendente e direta: “É por causa de Saul e da sua casa sanguinária, porque matou os gibeonitas.”
Quem eram esses gibeonitas? Eles eram um povo estrangeiro, descendentes dos amorreus, que habitavam a terra antes de Israel.
Em Josué 9:3-27, lemos que, astutamente, eles fizeram um acordo de paz com Josué e os filhos de Israel, garantindo sua vida em troca de se tornarem servos para cortar lenha e tirar água para a congregação. Josué e os líderes de Israel juraram a eles, selando essa aliança.
No entanto, séculos depois, Saul, em seu “zelo à causa dos filhos de Israel e de Judá”, quebrou esse pacto, buscando exterminá-los. Essa quebra de acordo, esse ato de deslealdade, profanou a terra e trouxe a ira de Deus na forma de fome.
Números 35:33 (NVT) nos lembra de um princípio solene: “Essa medida garantirá que a terra em que vivem não seja contaminada, pois o assassinato contamina a terra. O único sacrifício que fará expiação pela terra em caso de assassinato é a execução do assassino”
A terra estava profanada por um derramamento de sangue injusto e pela quebra de um juramento sagrado. Para termos uma boa relação entre instituições, pessoas e, sobretudo, com Deus, devemos manter os acordos firmados.
O tema da nossa pregação de hoje é, portanto, direto e fundamental: A Importância de Manter a Palavra Empenhada.
O Valor da Fidelidade: O Caráter de Deus Como Nosso Modelo
A Fidelidade de Deus como Modelo para Nós
Quando pensamos em fidelidade, é natural que nosso olhar se volte para Deus, o modelo perfeito e inabalável de fidelidade. Em Deuteronômio 7:9, lemos:
“Conheces, pois, que o Senhor, teu Deus, é o Deus fiel, que guarda a aliança e a misericórdia até mil gerações aos que o amam e cumprem seus mandamentos.”
Essa passagem nos revela características essenciais da fidelidade de Deus:
- Deus é Fiel: Ele é consistente e verdadeiro em Suas promessas e compromissos. Ele nunca falha, nunca muda de ideia, e Sua Palavra é inquebrável.
- Deus é Misericordioso: Embora fiel aos Seus mandamentos, Ele é também misericordioso. Isso não significa que Ele ignora nossos erros, mas que está disposto a perdoar e restaurar quando nos arrependemos e voltamos para Ele.
- Fidelidade Intergeracional: A fidelidade de Deus não se limita à nossa geração. Ele guarda Sua aliança por mil gerações, demonstrando que Sua fidelidade é eterna e sem fim, alcançando nossos filhos e netos.
Essas características do caráter de Deus devem nos inspirar e motivar a ser fiéis também. Se Deus é fiel conosco em Sua aliança, como poderíamos nós deixar de ser fiéis a Ele e uns com os outros?
A Fidelidade Exigida de Nós
A fidelidade é um atributo que Deus espera ver em Seus filhos. Em Mateus 5:37, Jesus nos exorta:
“Seja, porém, o vosso falar: Sim, sim; não, não. O que passa disso vem do maligno.”
Esta passagem é uma exortação à honestidade radical e à integridade na comunicação. Teologicamente, ela reflete a própria natureza de Deus, que é a Verdade e a Fidelidade absoluta. Como imitadores de Cristo, somos chamados a refletir esses atributos divinos em nossa vida, inclusive em nossa fala.
A visão protestante entende que Jesus não está proibindo estritamente todos os tipos de juramentos legais, mas sim denunciando a hipocrisia e a falta de integridade que frequentemente os acompanhavam.
A ênfase está na sinceridade intrínseca, onde a palavra de um cristão deve ser sempre confiável, sem a necessidade de invocar qualquer outra autoridade para validá-la. Para o crente contemporâneo, isso significa que a honestidade deve ser uma marca distintiva.
Devemos nos esforçar para sermos pessoas de palavra, cumprindo nossas promessas e evitando a duplicidade. O “qualquer coisa além disso” sugere que a necessidade de juramentos elaborados, a manipulação da linguagem e a falta de sinceridade na fala têm sua origem no maligno, que é o pai da mentira (João 8:44).
Cristo argumenta que qualquer excesso de palavras ou tentativas de justificar ou validar o que se diz por meio de juramentos advém do Diabo, ou seja, pode levar à mentira e à desonestidade. O ensino encoraja a transparência e a simplicidade nas interações, promovendo um discurso honesto e confiável.
Exemplos Bíblicos de Fidelidade
A Bíblia está repleta de exemplos de pessoas que mantiveram sua palavra, mesmo em situações difíceis:
- José (Gênesis 39:1-6): Quando José comandava a casa de Potifar, Deus o abençoou e fez prosperar tudo o que ele fazia. José foi tão fiel e íntegro a Potifar que, mesmo acusado injustamente e enviado para a prisão, sua conduta inabalável demonstrou seu compromisso com a retidão.
- Davi e Jônatas (1 Samuel 20:1-17 e 2 Samuel 9:1-7): O acordo entre Jônatas e Davi é um dos mais belos exemplos de lealdade e fidelidade em toda a Escritura. Um juramento de amizade e proteção mútua que transcendeu a rivalidade política e as circunstâncias adversas.
Anos depois, Davi, já rei, lembra-se do seu voto: “Há ainda alguém que tenha ficado da casa de Saul, para que lhe faça benevolência por amor de Jônatas?” (2 Samuel 9:1). E ele honra esse juramento, trazendo Mefibosete, filho de Jônatas, para comer à sua mesa, restituindo-lhe as terras de Saul. Essa é a beleza da fidelidade honrada!
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As Consequências da Deslealdade: Um Alerta Solene

Retornando a 2 Samuel 21:1-9, vemos as terríveis consequências da deslealdade de Saul. A fome de três anos não era uma coincidência, mas um juízo divino sobre a nação por uma quebra de pacto antiga.
A vida de inocentes gibeonitas foi tirada em um ato de zelo equivocado por Saul, desconsiderando o juramento feito por Josué séculos antes.
As consequências de fazer promessas precipitadas ou sem reflexão, ou de quebrar juramentos, são graves. Não se trata apenas de uma questão de moralidade pessoal; a deslealdade pode ter impactos coletivos e espirituais profundos, como a fome em Israel demonstra. A falta de integridade de um líder pode afetar toda uma nação.
A Necessidade de Reflexão e Integridade: Construindo Caráter Fiel
Em vista das sérias consequências da deslealdade, somos chamados a refletir em nossas ações e viver de acordo com o que diz o Salmo 119:106: “Jurei, e o cumprirei, que guardarei os teus justos juízos.” Isso não significa que devemos fazer juramentos constantemente, mas que nossa palavra deve ter o peso de um juramento.
É crucial destacar a importância de refletir cuidadosamente antes de fazer promessas ou compromissos, para evitar arrependimentos futuros. Provérbios 20:25 nos adverte: “Laço é para o homem apropriar-se do que é santo, e só refletir depois de feitos os votos.”
Quão fácil é, no calor do momento ou sob pressão, assumir um compromisso sem medir as consequências! E quão devastador pode ser viver sob o laço de uma promessa imprudente.
Um modelo de integridade e fidelidade em suas promessas é Jó. Em Jó 31:1-4, ele declara sua integridade, e em Jó 1:8, o próprio Deus testifica sobre ele a Satanás: “Observaste tu a meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus, e que se desvia do mal.“
A integridade e a fidelidade de Jó não eram superficiais; eram o cerne de seu caráter, reconhecido até mesmo por Deus.
O Poder da Fidelidade na Vida Cristã: Testemunhos de um Caráter Divino
A Fidelidade de Cristo como Garantia
2 Coríntios 1:18-20 destaca a fidelidade de Deus em Suas promessas e como isso nos motiva a ser fiéis também: “Pois o Filho de Deus, Cristo Jesus, que por nós foi pregado, tanto por mim como por Silvano e Timóteo, não foi sim e não; pelo contrário, nele sempre houve o sim.”
Tal versículo destaca a consistência e fidelidade de Jesus em relação às promessas de Deus. Em Cristo, todas as promessas de Deus são ratificadas e realizadas. Não há dúvida, ambiguidade ou inconsistência nas ações ou ensinamentos de Cristo.
Ele é o “Amém” (Apocalipse 3:14), o “Sim” de Deus para a humanidade. E, porque Ele é fiel, nós podemos confiar plenamente em Suas promessas e somos motivados a refletir essa fidelidade.
Fidelidade como Característica do Discipulado
A fidelidade não é apenas um atributo de Deus, mas uma característica essencial do discipulado cristão. Mateus 5:33-37 reitera o ensino de Jesus sobre a simplicidade e a integridade em nossas palavras:
“Outrossim, ouvistes que foi dito aos antigos: Não perjurarás, mas cumprirás os teus juramentos ao Senhor. Eu, porém, vos digo que de maneira nenhuma jureis; nem pelo céu, porque é o trono de Deus; Nem pela terra, porque é o escabelo de seus pés; nem por Jerusalém, porque é a cidade do grande Rei; Nem jurarás pela tua cabeça, porque não podes tornar um cabelo branco ou preto. Seja, porém, o vosso falar: Sim, sim; Não, não; porque o que passa disto é de procedência maligna.”
Neste trecho bíblico, Jesus adverte a seus discípulos que devem ser honestos e diretos em suas palavras, evitando juramentos para garantir a autenticidade do que dizem. A simplicidade e integridade nas interações devem ser uma característica de todos aqueles que desejam viver de acordo com os ensinamentos de Jesus.
Exemplos Contemporâneos de Fidelidade
Em nosso dia a dia, vemos exemplos de pessoas que mantêm sua palavra em situações difíceis, e isso pode inspirar outros a fazer o mesmo.
Pense naquele profissional que entrega o combinado, mesmo com imprevistos; no amigo que cumpre a promessa, mesmo quando custa; no cônjuge que permanece fiel nos votos do casamento, na saúde e na doença. Essas são luzes que brilham no mundo, demonstrando que a fidelidade ainda é possível e valiosa.
Conclusão: Nossas Promessas, Nosso Legado
Voltando a 2 Samuel 21:1-9, vimos que a quebra de um acordo secular trouxe fome e juízo sobre uma nação. Em circunstâncias normais, os filhos de Saul não deveriam pagar pelos crimes do pai. Mas o próprio Deus define, no versículo 1, toda a casa de Saul como “sanguinária”.
Deduzimos que os filhos de Saul, de alguma forma, seguiram o exemplo do pai e também mereciam ser castigados, ou representavam a linhagem de iniquidade que precisava ser expiada.
Que sejamos bons exemplos para nossos filhos e para aqueles que nos rodeiam, pois nosso legado de fidelidade ou deslealdade os afetará.
Eclesiastes 5:4-5 nos adverte solenemente sobre as consequências de não cumprir as promessas feitas a Deus:
“Quando a Deus fizeres algum voto, não tardes em cumpri-lo; porque não se agrada de tolos; o que votares, paga-o. Melhor é que não votes do que votares e não cumprires.”
E que não nos esqueçamos da clareza de Números 30:2:
“Quando alguém fizer um voto ao Senhor ou jurar sob juramento, não poderá quebrar a sua palavra; terá de fazer tudo o que disse.”
Em um mundo que parece perder o valor da palavra, nós, como cristãos, somos chamados a ser diferentes. Somos chamados a ser o “sim, sim” e o “não, não” de Mateus 5:33-37.
Que o nosso falar seja nossa garantia. Que nossos acordos, especialmente com o Senhor, sejam inquebráveis. Reflitam hoje sobre as suas próprias promessas e compromissos – aqueles feitos a Deus, à sua família, aos seus irmãos, à sua comunidade, ao seu trabalho.
Peça a Deus sabedoria e discernimento para saber quando fazer promessas e como cumpri-las. E, se você tem falhado, peça perdão e comece de novo, com a força que vem do Senhor.
Que a nossa vida seja um testemunho vivo da fidelidade de Deus, refletindo Sua integridade e honrando cada palavra empenhada.